terça-feira, 11 de maio de 2010

DOGMA E DISCIPLINA: O EFEITO COERCITIVO DA IGREJA COMO INSTRUMENTO DE REPRESSÃO DAS MASSAS SOB UMA PERSPECTIVA FOULCAUTIANA

 
Por: Dalmo Santiago
 

Pensar teologia, cultura e ética é sempre desafiador pela multiplicidade dialógica que a correlação temática apresenta. Refletir essa triple relação no que se refere a uma ética da Igreja equipare a uma ética do Estado atinge níveis de complexidade absurdos, mas possíveis de compreensão. A primeira coisa que deve-se fazer para analisar essa relação ética entre Igreja e Estado e, que elementos significativos a primeira pode corroborar para uma transformação do segundo em nível ético. É partindo da analise dessa relação indissociável que pretendo construir uma perspectiva mais dilatada da problemática caótica atual e em que grau de resolução desse mesmo caos a Igreja se situa a partir das reflexões do filosofo francês Michel Foucault e de uma abordagem analógica com a obra cinematográfica brasileira do diretor José Padilha, que muito contribui para a discussão a ser levantada. Por isso, não será discutido o filme em sua totalidade, mas a parte que cabe a chegada do Papa no Rio de Janeiro não esquecendo de que todo o filme se dá na melhor forma de “Vossa Santidade” se instalar próximo a favela.

Logo nas primeiras cenas o filme vai tecendo sua trama em torno da chegada do Papa João Paulo II ao Rio de Janeiro. Para isso a secretaria de segurança pública do Rio de Janeiro desenvolve uma série de ações de prevenção contra um possível atentado ou situações desagradáveis no que diz respeito a presença do sumo pontífice católico. Desde esse primeiro momento é possível identificar o grau de institucionalização e de poder que a Igreja possui frente o Estado. O Estado aqui funciona como aparelho de proteção da Igreja, uma segurança da instituição, que revela o entrelaçamento das redes poder existentes entre os âmbitos político e religioso.

O filme faz menção a Michel Foucault quando Matias entra no primeiro dia de aula na universidade. Apesar de não haver um explorar da temática foucaultiana é possível perceber o quanto o mesmo trata das relações de poder como engrenagem para que o tecido social funcione como dinamicamente. Pensar Foucault e poder relacionado a questão da Igreja é tocar em temática extensa repleta de significações e conteúdo já que a mesma funciona como máquina de poder que incluído no sistema funciona como órgão repressor e disciplinador juntamente com o Estado em suas jurisdições. Em Vigiar e Punir Foucault remonta a história processual da configuração dos sistemas de punição partindo da analise desses sistemas em alguns países da Europa, principalmente na França. Considera ele que a Igreja cristã teve significativa contribuição e participação nos modelos de punição medievais perdendo essa significância após a reforma desses modelos no que se refere a humanização da punição e o nascimento da prisão. Essa participação revelada por Foucault mostra o papel que a Igreja assume na conformação das massas produzindo o que denominou de enquadriculamento. Desse processo advém o controle dos indivíduos promovendo a ordem social. Dessa forma a Igreja funciona para o Estado e o Estado para a Igreja.

A problemática se aprofunda a partir dessa compreensão de “troca de favores” já que faz com que eticamente surjam questionamentos sobre o verdadeiro papel da Igreja na sociedade. Isso implica em uma indagação ainda maior e mais substancial: A função de Deus na sociedade é essencialmente de controle das massas? Como participante do poder dominante a Igreja perde àquele espírito humilde de auxilio aos menos favorecidos. É o que representação cinematográfica nos leva a pensar. A Igreja, através de seu maior representante chega ao Rio de Janeiro, o estado mais violento do Brasil, e para sua segurança traficantes, estudantes, crianças e policiais morrem num jogo abominável de violência e poder onde o Estado se mostra como o senhor absoluto sobre “bons” e “maus”. O papa não irá para refletir o problema da pobreza no Brasil ou propor melhorias na educação e na saúde brasileira. A intenção é apenas uma: relembrar a sociedade o vigor do poder religioso em âmbito estatal.

Alinhando-se ao poder vigente a Igreja sustenta e reproduz a ideologia do status quo como observou Marx: a ideologia dos dominantes. Assim se aparta cada vez mais do compromisso ético iniciado por aquele que dizem serem seguidores: Jesus de Nazaré. Sustentam a ética dos dominantes e fazendo isso automaticamente introjetam no corpo social o medo de ir contra a ordem estabelecida passando a adquirir caractere disciplinador e até mesmo jurídico. O bom cristão deve ser um bom cidadão.

O aparelho do Estado se beneficia da ação religiosa por ela produzir o que Nietzsche chamou “Espírito de Rebanho”. Foucault semelhantemente categoriza esse processo em seu enquadriculamento. A Igreja utilizando-se do conteúdo religioso manipula os indivíduos a se conformarem a espaços sociais definidos economicamente fazendo-os se conformarem com o papel social que foram forçados a assumir. Igreja, economia e Estado tornam-se a tríplice engrenagem motora principais para que o sistema e as conseqüentes formas de poder estabelecidas permaneçam como tal, sem mudanças significativas. Dessas formas básicas surge a microfísica do poder. A microfísica do poder sai das instituições para o tecido social a fim de produzir corpos dóceis, disciplinados e ordenados seguindo o mesmo modelo da produção em série da industrial.

A pergunta que surge é qual o verdadeiro papel da Igreja como instituição mantenedora de poder. Ela deve continuar simétrica aos anseios da sociedade neoliberal de exclusão, sendo indiferente a pobreza e ao sofrimento dos menos favorecidos, ou deve se colocar como contracultura combatendo o ideal do desenvolvimento econômico em detrimento do humano?

Partindo de uma perspectiva ética faz-se necessário que a Igreja retorne a seus idéias primários, àqueles que relevavam o comunitário sobre o particular, o grupo em lugar do individuo. Onde o poder era poder de construir, ainda que paulatinamente, uma realidade melhor para os indivíduos no sentido plural de pluralidade centrando na respeitabilidade e responsabilidade para com o outro a ação da Igreja. Com isso ela rompe as amarras burocráticas e parte para uma ação mais prática e renovadora. Mesmo dentro das complexas estruturas de poder ela funciona como poder que beneficia que faz refletir atuando como poder pedagógico instruindo as pessoas a se libertarem das sombras da Caverna atual, fazendo uma rememoração ao pensamento platônico. Uma tentativa que se mostra importante é a proposta trazida pelas CEBs, apesar de no cenário contemporâneo estarem passando por um processo de sufocamento. No entanto é importante lembrar que essas comunidades não nasceram do interesse da Igreja institucional em libertar aqueles que a muito estavam enclausurados nas fortes amarras do sistema, mas da igreja popular e dos intelectuais que constantemente produziam uma interpretação marxista dos textos bíblicos.

Tropa de Elite mostra a imagem de uma religião distante da realidade social prejudicada. Ele não aprece no filme a não ser pela televisão como religião da mídia, mas um foco que revela o poder da Igreja. Ela se mostra apenas presente como instituição, como ideologia, como representatividade de um código ético que deve ser lembrado, mas não praticado, pois concretizá-lo na práxis é assumir a negação que o praticante sofrerá e uma posição antagônica a corrente que segue o sistema atual, ou seja, seria abandonar o poder. Assim a Igreja aparece apenas como representação ideológica, seja pelo templo, párocos ou pelas predicas das obras que a instituição produz. Perigo que os atuais teólogos da libertação passam de suprateologizar tudo produzindo uma teoria prática que retorna a teoria, teorética para práxis teorética, ao ciclo vicioso e imprestável de uma quase “masturbação intelectual”.

A reflexão que faço sobre o filme faz-nos refletir sobre que realidade temos criado como Igreja e como podemos nos envolver a um verdadeiro projeto de salvação. Não entendendo esse caráter soteriológico como absurdidade sobrenatural, metafísica de metafísica, mas como quebra literal e prática da hipocrisia que a Igreja sustentou desde a subida ao poder com Constantino, da desmistificação de uma espiritualidade enojante, sem utilidade considerável para o bem humano, apenas para a fundamentação de uma alienação que permite o subjugar dos mais fracos pelos mais fortes. Passando a subir as favelas não como esse instrumento alienante, como ópio, mas como conscientizador, libertador, protetor dos desvalidos, dos excluídos, dos sem “poder”: ser verdadeiros pró-cristos e não anti-cristos.



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